Esse não é um post tradicional da coluna Entre Nós.
É um desabafo.
Hoje pela manhã, quando acordei, me senti impotente, calada e extremamente fragilizada. Jurei para mim que finalmente escreveria sobre minha experiência abusiva. Que Deus me ajude a terminar.
Raramente a gente sabe que está em uma relação de abuso e, mesmo que meses tenham se passado desde que a minha se encerrou, algumas frases ainda ecoam dentro de mim:
Você foi para a aula de teatro com esse shorts?
Você não acha essa blusa muito apertada?
Você vai mesmo trabalhar de salto? Não acha que vai chamar muita atenção?
Olha, de verdade, eu não queria que você usasse regata. É muito aberta.
Se o vestido está curto? Não, para sair comigo tudo bem.
Não corte o cabelo. Eu gosto dele comprido.
Por que você quer fazer academia? Para usar aquelas roupas que marcam todo o corpo?
Não precisa emagrecer, eu gosto de você assim. De quem você quer chamar atenção?
Você não acha que esse batom destaca muito a sua boca?
Quando vi aquela loja de maquiagens, senti que carregava em meus ombros 390kg a mais. Dica número 1: nenhuma atitude de libertação de uma relação abusiva pode ser considerada frescura. NENHUMA!
Pedi para que Deus entrasse comigo.
– Por favor, Papai. Eu sei que preciso comprar esse batom, mas não consigo sozinha.
Ele me deu as mãos e eu entrei. Pedi para que a mulher que estava me atendendo testasse o batom vermelho que ela achava que combinava comigo.
Ela estranhou um pouco a minha reação.
– Está tudo bem, é que faz tempo que não uso. Acho que me desacostumei.
– Pois você não deveria ter parado. Vermelho combina com você.
Demorei um tempo para identificar quem tinha me dito isso. A mulher, Deus ou os dois?
Comprei o batom e saí com a boca toda vermelha. Naquele momento, ainda me sentia suja, pecadora, despudorada e “pedindo para ser assediada” com todas as sementes de abuso que foram plantadas no meu coração. Dica número 2: uma atitude tomada nem sempre é uma atitude de sucesso. E tudo bem, desde que o fracasso te impulsione a tentar de novo.
Os dias após a compra do batom vermelho foram de batalhas de nível igual ou superior, como o dia em que eu esqueci meu cardigã em casa e saí de regata sem perceber. Contarei se vocês quiserem saber em uma outra publicação.
O caso é que deixar de usar um batom vermelho ou não vestir uma regata nunca foram solicitações de Deus para mim. Ele nunca me proibiu de ser quem eu era, e eu perdi muito tempo me atacando externamente porque alguém me dizia:
Esse não é o padrão de mulher cristã que eu acredito.
Dica número 3: todas as vezes que agimos sem nos colocar no lugar do outro, podemos causar desastres. Interiores também. Esses, na verdade, são os mais violentos.
É aí que eu queria chegar.
A Páscoa é um dos maiores exemplos da vinda de Jesus na Terra quando o assunto é “se colocar no lugar do outro” e, ignorar esse fato, durante muito tempo fez com que eu continuasse enjaulada tentando ser adequada a um molde que não me servia.
A Páscoa significa que eu fui aceita.
Que eu fui amada.
Que eu posso recomeçar quantas vezes for necessário.
Que Jesus é o maior exemplo de quem eu devo ser na vida.
Que eu posso me olhar no espelho, cortar o cabelo e usar um batom vermelho.
E que talvez eu não seja mesmo daquele padrão.
E nem quero!
A Páscoa significa que Amor também é Liberdade; afinal, se eu acredito que Jesus morreu para que eu vivesse hoje, qual sentido existe em ser conivente com alguém que quer me aprisionar?
A conclusão é que hoje eu passo batom vermelho, vou de salto para o trabalho quando eu quero e consigo me olhar no espelho sem me achar derrotada a maioria dos dias. Ainda dói, mas Deus tem me ensinado a ter paciência comigo. Desconstruir conceitos que criaram raízes dentro de nós não é uma tarefa simples.
Ele é o novo começo, a ressurreição, a liberdade e tudo o que você precisa para ser completa.
Você é maravilhosa.
E eu entendo o que você passou ou está passando.
De agora em diante, por favor: passe apenas o batom vermelho,
E volte a se olhar no espelho.
Deus te acha encantadora, valiosa e cheia de poder para mudar o mundo.
Comece pelo seu!