Tic tac.
Tic tac tic tac tic tac.
Tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac.
CHEGA!
Aquele barulho me agoniava os sentidos.
Olhei para o relógio que ficava em cima do meu criado-mudo, suspenso por três ou quatro livros que eu ensaiava ler há alguns meses (dispensando os romances que desisti prematuramente ao ler os prólogos) e percebi que ele também me encarava furtivamente com a simples mensagem: 03h00.
E se eu pudesse controlá-lo?
– Quer experimentar?
– Você é…
– O Dono do relógio.
– Mas o relógio é meu.
– Tudo bem.
– Tudo bem o que?
– Que você pense assim.
Eu estava bem intrigada com aquele papo no meio da noite. Só podia ser uma espécie de alucinação.
– Ok, vamos supor que você seja o Dono do relógio.
– Mas Eu Sou.
Ok, respire fundo. A história precisa chegar até o fim.
– E se eu pudesse simplesmente alterar a hora do dia, voltando ou acelerando quando quisesse?
– É esse o seu desejo?
– Seria bem interessante!
– Tudo bem. Eu empresto o relógio a você.
Acelerei e então o dia raiou tão rápido quanto meus dedos ao ajustarem os ponteiros. Saí do meu quarto e não havia futuro. Eu estava só.
Não era possível.
Andava pelas ruas procurando por alguém com quem pudesse conversar, um amigo para explicar a possível bobagem que eu havia feito. Tudo à minha volta ainda estava no horário anterior e percebi: dessa forma deixaria todos para trás.
Dessa forma me perderia.
Voltei correndo ao meu quarto e Ele estava lá. O tal do Dono do relógio.
– E então?
– Péssima ideia.
– O que aconteceu lá fora?
– Descobri que não é porque quero apressar os dias que o mundo vai me alcançar. Me perdi. Você sabia que isso ia acontecer, não sabia?
– Eu não. O relógio não é seu? Você deveria saber usá-lo.
– Quero voltar. – Disse, pegando novamente o aparelhinho que tanto me angustiava.
– Ir para o passado?
– Algum problema? Não sou eu a dona do relógio?
E então, estava no passado. Pelo menos agora podia reviver os bons momentos e refazer os maus. Estava feliz ali, até que me dei conta que não servia mais naquelas roupas, com aquela vida e com aquele coração. Eu só tinha aquela visão do meu passado por causa do presente. E, sem dúvida, gostava mais de quem sou do que de quem eu era. Eu precisava voltar.
– Olha só, temos um novo recorde!
– Não posso ficar no passado.
– Também não gostou de lá?
Imediatamente peguei meu relógio e coloquei nas mãos Dele.
– Você pode me ensinar a usar esse negócio?
– Mas você não é a dona?
– Já entendi. Pode parar. Você é o Dono.
– Muito bem. Comece assim: Coloque-o em cima do seu criado-mudo e marque 03h00.
– E depois?
– Deixe comigo.
Nesse dia entendi que não sou a mais indicada em controlar estações, quando na verdade Ele é o Senhor do Tempo.
Dono dos meus ponteiros, da minha história, dos meus dias.
Entreguei meu relógio e de repente o Tic Tac não me agoniava mais. Era melodia saber que a cada batida Ele cuidava de mim.
Eu não precisava mais saber o futuro ou me prender ao passado. Apenas me preocupava em ser hoje a responsável por fazer o melhor no tempo em que Ele me dava.
Meu Kairós.